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quinta-feira, 30 de abril de 2009

Adote uma Criança Neste Orfanato. Mas Certifique-se que Ela Seja Deste Mundo

Todos saíram ganhando depois que Hollywood passou a levar a sério filmes sobre a vida extrafísica e sua relação com a realidade em que vivemos.

A prova da ascenção dos chamados ghost movies é que, com o passar dos anos, vamos contando cada vez mais sucessos de crítica e público nos cinemas, como Os Outros, O Sexto Sentido, Premonições, Ghost, Poder Além da Vida, O Mistério da Libélula, Morrendo e Aprendendo, As Cinco Pessoas que Você Encontra no Céu, entre outros, todos apresentando a temática multidimensional. De todo o planeta vemos hoje produções que abordam esta classe de dramas, o que me impressiona. Filmes como o tailândes, Dorm, O Espírito, é a prova disso - um filme lúcido e realisticamente viável, além de muito instrutivo. Tão Longe, Tão Perto, clássico do alemão Wim Wenders, entra como um dos ícones do cinema no assunto. O taiwanês, Su Chao-Pin, apresentou o seu Silk - O Primeiro Espírito Capturado em Cannes e participou da Seleção Oficial do Festival em 2006. O japonês Masayuki Ochiai veio com Imagens do Além, com produção americana, e acertou nas medidas da crítica e do público do gênero. A lista pode ser longa e não poderíamos deixar de incluir o espanhol O Orfanato. Com um roteiro redondo, sem falhas e não-ditos, Juan Antonio Bayona desfila sua estória com maestria. Num misto de contos de fada e fantasmagoria para adultos, por ser tão bem feito, entramos lentamente, sem perceber, em vários universos paralelos, até descobrirmos que não havíamos saído da realidade um só minuto. Essa é inclusive a surpresa que dá ao filme a classificação de wow!

Particularmente gosto de filmes que trazem essa receita psicológica infalível de misturar elementos da fábula, típicos do universo infantil, com elementos do drama e do suspense, com toques lisérgicos que nos desnorteiam antes do despertar para a vida multidimensional, como acontece em Os Outros e também em Premonições de uma forma mais ostensiva. Tais filmes pegam o espectador pela mão e o fazem adentrar realidades paralelas nunca antes visitadas, como se num "museu de grandes novidades." Essa sensação é muitas vezes coerente com a falta de lucidez em projeções da consciência, na dimensão extrafísica. Criamos nossas fábulas pessoais por uma reação infantil na adaptação no "novo" ambiente, pois a realidade de lá por sí só pode causar reações vexaminosas e voltamos sempre com a sensação de ter estado nesse círculo do adulto que pensa e da criança que experimenta. Em O Orfanato a acomodação à nova realidade é um objetivo que a personagem central, Pilar (Belén Rueda), persegue até construí-lo de forma definitiva. Durante a sua investida pessoal na reconciliação com seu passado, representado aqui na busca de Simon (Roger Príncep), o filho desaparecido, acompanhamos a escalada da fragilidade do medo e da vulnerabilidade física à coragem criada com um basta! de uma realidade física que não mais a interessa. Quando entendemos a multidimensão, e nela experimentamos novas vivências, ela se torna uma realidade na qual não precismaos mais "acreditar." É então, nesse momento metamorfósico, que todo o filme se autoexplica no final.

O Orfanato não é um filme com a intenção clara e única de assustar, embora, claro, a ferramenta de todo drama de suspense não tenha aqui sido desprezada por J. A. Bayona. Tudo no filme tem uma explicação lógica, se não estou equivocado, pois "não consegui" pegar o diretor em contradição em momento algum. Para os conhecedores da expressão, "bagulho energético" - o que significa, objeto de energia negativa, antiga, vampiresca - a casa em si é o calcanhar de Aquilles de Pilar (Belén Rueda) e fica difícil imaginar alguém com tamanha falta de lucidez sobre a realidade bioenergética de lugares desse tipo. Ainda mais quando temos dele recordações tão extrafisicamente vulneráveis, oriundas de um passado traumático - é a própria volta acachapante da espiral existêncial. E é com o propósito de reviver o passado, ou se reconciliar com ele, que Pilar leva sua família para viver no antigo orfanato, onde ela passou a infância e só saiu depois que foi adotada.

A idéia é reabrir o orfanato e ela e o marido estão anciosos por isso. Mas o pequeno filho do casal não demora a relatar que brinca com outras crianças do local, no que, óbvio, os pais não acreditam, uma vez que ela é a única criança vivente do lugar. É aqui que, sutilmente, os fatos começam a acontecer. As experiências com os amigos imaginários do menino se tornam freqüentes até que a convivência com tais ocorrências vira um pesadelo. A partir daí o filme ganha seus contornos fantasmagóricos e inicia-se então a segunda parte com o desaparecimento de Simón. Pilar e o marido se unem numa busca ensandecida pela criança, a qual irá envolver também personagens sinistras, como a velha Benigna (Montserrat Carulla) e a médium Aurora (Geraldine Chaplin).

Segredos familiares são revelados, passados são desenterrados, para então as reconciliações serem realizadas. Nesse complexo universo em que as personagens gravitam atormentadas, revela-se uma estória surpreendente - dessas que custamos a entender, até que juntamos todas as peças do quebra-cabeça e descobrimos o point do jogo. Eureca! Essa descoberta ou encontro com o main plot do filme é fascinante, pois é algo que se cria com muito senso estético, criatividade e uma afortunada espirituosidade. Além dessa mágica no roteiro, há referências deveras interessantes em O Orfanato. Há um lado Peter Pan, quando um Simón imortal passa a morar numa espécie de Terra do Nunca. Na medida em que os fatos ocorrem, os mistérios se avolumam e o suspense ganha uma força extra para nos conduzir para o inesperado desfecho da estória. Pilar e o marido divergem sobre os aspectos sobrenaturais do sumiço do filho, mas concordam em buscar ajuda profissional. Contratam então os serviços de Aurora (Geraldine Chaplin), a médium vidente e sensitiva, que vai até a casa para uma sessão espírita monitorada e entra em contato com o mundo das crianças da casa. Aqui vemos os amigos invisíveis de Simón, numa seqüência realmente memorável. Tudo ganha então um peso extra, desde os tons verdes densos da camera de monitoramente até o fato da vidente ser interpretado por Geraldine Chaplin. Essa seqüência foi nitidamente inspirada num dos clássicos do suspense britânico, A Casa da Noite Eterna: um investimento certo, com um retorno mui eficiente.

Como disse ao longo da resenha, O Orfanato traz não só um roteiro vitorioso, como leva a Espanha a ter uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Título em Português: O Orfanato; Título Original: El Orfanato; Gênero: Ghost movie; Diretor: Juan Antonio Bayona; País: Espanha/Mexico; Duração: 105 minutos. Visite o site: www.theorphanagemovie.com