A vida e a morte são
outra vez os temas centrais de Kieslowski neste segundo episódio de Decálogo.
Mas, ao contrário do episódio I, onde o ícone do ser divino desobedecido leva à
morte, no segundo filme, o poder divino comanda
o caminho à vida, mesmo que sob a constante ameaça da morte, como se ambos os
desígnios estivessem em eterna confrontação. Ambientado no mesmo conjunto
habitacional do primeiro filme, e assim será durante toda a obra, o episódio II
fala dos problemas humanos em outros apartamentos. Desta vez, conhecemos Dorota,
uma muilher que acompanha o tratamento do marido gravemente doente em um
hospital, vivendo em segredo um dilema pessoal: apesar do seu casamento
romântico e bem sucedido, Dorota se envolve com outro homem e engravida. Vendo
o marido à beira da morte, ela se debate psicologicamente entre manter a
criança, caso o marido morra, ou abortá-lo, caso ele sobreviva. Esta espera é
melancólica e angustiante. No terceiro mês de gravidez, ela não tem muito tempo
para esperar o desfecho clínico do moribundo e passa a acompanhar o caso como
se vivesse uma sentença de morte: a de ser mãe.
Kieslowski cria um ambiente melancólico e asfixiante durante toda essa
espera e vemos na tela a genialidade do diretor polonês ao optar,
cinematograficamente, por um belo conjunto de sigmas que, aos poucos, nos
contam a estória que não podemos ver: a dos sentimentos. Seus personagens
economizam palavras para engrandecer uma linguagem corporal de reflexão,
ponderação, julgamento e autocondenação. Enquanto no primeiro episódio a morte é
o fim, neste segundo, a morte é apenas uma ameaça à vida, mas não deixa de
cobrar o seu tributo numa visão menos materialista. Aqui a confrontação entre
vida e morte baseia-se na condição de que uma vida só poderia acontecer com a
anulação da outra. Apesar de uma estória mais complexa, por uma maior
quantidade de elementos contextuais, ela é de fácil entendimento. Neste
caldeirão humano criado por Kieslowski, vemos algumas preciosidades da
linguagem roteirística. Durante boa parte do filme, a personagem Dorota está
acachapada pela ameaça da morte, dominada pela incerteza do que se tornará a
sua própria vida e pelo medo tanto de perder o marido quanto de abortar e não
tornar-se mãe. Aqui o comando do seu destino está terceirizado ao poder divino,
quando só lhe resta rezar e acreditar em algum futuro, pois não sabemos ao
certo sobre qual ela, intimamente, deseja. Mas, quando a estória começa a se
ajustar para o final, vemos o médico responsável pelo caso de Andrewj, marido
de Dorota, assumir esse poder sobre o destino ao jurar à ela que ele morrerá.
Dorota faz uma visita ao médico e tudo parece que ela, ao confiar nas palavras
do médico, decide não abortar. Mas o médico estava equivocado ao jurar o final
da vida de Andrewj por observar a progressão da doença através de um
microscópio. Na última cena, vemos Andrewj recuperado e de saída do hospital.
Retratando o mandamento no qual o divino avisa, "não invocarás o Santo Nome de deus em vão", ponto central do segundo episódio, Kieslowski reforça o recado ao nos alertar para também não ousarmos assumir o papel do Criador, nem mesmo através da ciência! O belo sigma criado pelo diretor nos avisa que Andrewj sobrevive ao mostrar uma abelha lutando para sair do ambiente aquoso de um suco num copo, escalando o cabo de uma colher ao preço de um esforço hercúleo. O inseto se arrasta com extrema dificuldade, mas consegue alcançar a borda do copo, onde, finalmente, caminha alguns passos, bate as suas asas e recupera a sua liberdade.
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