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domingo, 21 de setembro de 2014

DECÁLOGO: EPISÓDIO II - KRZYSZTOF KIESLOWSKI

A vida e a morte são outra vez os temas centrais de Kieslowski neste segundo episódio de Decálogo. Mas, ao contrário do episódio I, onde o ícone do ser divino desobedecido leva à morte, no segundo filme, o poder  divino comanda o caminho à vida, mesmo que sob a constante ameaça da morte, como se ambos os desígnios estivessem em eterna confrontação. Ambientado no mesmo conjunto habitacional do primeiro filme, e assim será durante toda a obra, o episódio II fala dos problemas humanos em outros apartamentos. Desta vez, conhecemos Dorota, uma muilher que acompanha o tratamento do marido gravemente doente em um hospital, vivendo em segredo um dilema pessoal: apesar do seu casamento romântico e bem sucedido, Dorota se envolve com outro homem e engravida. Vendo o marido à beira da morte, ela se debate psicologicamente entre manter a criança, caso o marido morra, ou abortá-lo, caso ele sobreviva. Esta espera é melancólica e angustiante. No terceiro mês de gravidez, ela não tem muito tempo para esperar o desfecho clínico do moribundo e passa a acompanhar o caso como se vivesse uma sentença de morte: a de ser mãe.



Kieslowski cria um ambiente melancólico e asfixiante durante toda essa espera e vemos na tela a genialidade do diretor polonês ao optar, cinematograficamente, por um belo conjunto de sigmas que, aos poucos, nos contam a estória que não podemos ver: a dos sentimentos. Seus personagens economizam palavras para engrandecer uma linguagem corporal de reflexão, ponderação, julgamento e autocondenação. Enquanto no primeiro episódio a morte é o fim, neste segundo, a morte é apenas uma ameaça à vida, mas não deixa de cobrar o seu tributo numa visão menos materialista. Aqui a confrontação entre vida e morte baseia-se na condição de que uma vida só poderia acontecer com a anulação da outra. Apesar de uma estória mais complexa, por uma maior quantidade de elementos contextuais, ela é de fácil entendimento. Neste caldeirão humano criado por Kieslowski, vemos algumas preciosidades da linguagem roteirística. Durante boa parte do filme, a personagem Dorota está acachapada pela ameaça da morte, dominada pela incerteza do que se tornará a sua própria vida e pelo medo tanto de perder o marido quanto de abortar e não tornar-se mãe. Aqui o comando do seu destino está terceirizado ao poder divino, quando só lhe resta rezar e acreditar em algum futuro, pois não sabemos ao certo sobre qual ela, intimamente, deseja. Mas, quando a estória começa a se ajustar para o final, vemos o médico responsável pelo caso de Andrewj, marido de Dorota, assumir esse poder sobre o destino ao jurar à ela que ele morrerá. Dorota faz uma visita ao médico e tudo parece que ela, ao confiar nas palavras do médico, decide não abortar. Mas o médico estava equivocado ao jurar o final da vida de Andrewj por observar a progressão da doença através de um microscópio. Na última cena, vemos Andrewj recuperado e de saída do hospital.



Retratando o mandamento no qual o divino avisa, "não invocarás o Santo Nome de deus em vão", ponto central do segundo episódio, Kieslowski reforça o recado ao nos alertar para também não ousarmos assumir o papel do Criador, nem mesmo através da ciência! O belo sigma criado pelo diretor nos avisa que Andrewj sobrevive ao mostrar uma abelha lutando para sair do ambiente aquoso de um suco num copo, escalando o cabo de uma colher ao preço de um esforço hercúleo. O inseto se arrasta com extrema dificuldade, mas consegue alcançar a borda do copo, onde, finalmente, caminha alguns passos, bate as suas asas e recupera a sua liberdade.


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